Cores das Ingombotas

Por João Prates, Lisboa, Portugal Direcção, Centro Português de Serigrafia

O fulgor das cores das ingombotas.

Há realmente fascínio na actividade do Centro Português de Serigrafia: cada artista constitui um singular processo de diálogo e de partilha. Cada edição efectuada amplia o nosso conhecimento e enriquece a nossa memória imaginária. Uma aprendizagem contínua que nos põe em contacto evolutivo com novas linguagens e vocabulários particulares.

Foi no pretexto de uma edição, em 2011, que nos aproximámos à obra de Hildebrando de Melo, com a serigrafia da série Cores das Ingombotas. Ao ver a imagem salta uma primeira abordagem intuitiva: uma árvore colorida? E algumas interrogações: um mapa, uma planta aérea de cidade? Ou, mais ainda: uma balança de justo equilíbrio cromático?

A serigrafia é uma técnica de impressão onde cada tom é separado e impresso isoladamente, sobrepondo-se aos anteriores. É um processo moroso que exige muita experiência e rigor aos nossos premiados profissionais que acompanham cada artista. Dão-se primeiro os tons mais claros para ir ao encontro das cores mais sombrias. Pode levar um dia, bem como, pode tardar vários meses de impressão até uma edição ser concluída. A serigrafia do nosso artista acabou por levar 21 tons distintos e algumas semanas de produção. Ao ver crescer a sua obra, cor a cor, pudemos também aprofundar a nossa percepção: Hildebrando constrói uma linguagem fiel à sua cultura e ao seu local de origem sem a destituir de referências a uma visão contemporânea e cosmopolita. Manchas firmes e definidas germinam de cores ténues e oscilantes afectas ao solo que usa pisar. Formas dadas por tons de códigos culturais pressentidos. Indícios de uma paleta sagrada.

E, afinal, o que são as ingombotas?

Confesso a minha perplexidade quando procurei a palavra ingombota no dicionário e apenas uma resposta veio devolvida: “lugar de refúgio de gente perseguida”. Foi, para mim, um beco sem saída. Aí me sentei, equilibrado na terra que chama, por baixo da árvore que a todos alberga. Fechei os olhos para melhor ouvir um canto de alma e guitarras duendes e, só assim, pude contemplar o fulgor das cores das ingombotas.

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