By Terry Berne, California, USA
A colorida, misteriosa e sempre intrigante obra de Hildebrando de Melo funde o antigo e o moderno, o individual e o coletivo, a natureza e uma tecnologia aparentemente predatória.
Movendo-se na fronteira entre a abstração e a figuração, os quadros de Hildebrando apresentam amiúde figuras esquemáticas com uma multiplicidade de membros, exibidas de forma marcada, e ainda assim confusa, sobre fundos maioritariamente neutros, que parecem estar envolvidas em atos titânicos de criação, de luta ou de destruição violenta. Estas figuras hieráticas, quase robóticas, uma combinação anatómica de homem e máquina, partilham traços não só com os graffiti urbanos e populistas mas também com a escultura ancestral africana, provavelmente de uma variedade local específica, evocativa de representações de espíritos ancestrais que desempenham um papel crucial na cultura angolana local, o que está patente nos belos, assustadores e complexos hábitos e máscaras artesanais, alguns dos quais fazem lembrar as formidáveis criaturas do próprio Hildebrando. Um destes espíritos é o Chihongo, o espírito dos antepassados que voltou ao mundo dos vivos para os guiar, ajudar e proteger e cuja participação em rituais como a mukanda, um rito de iniciação que dura vários meses, pode ser uma pista para a menagerie divina do artista. Mas seja qual for a origem das criaturas de Hildebrando, e trata-se certamente de uma origem múltipla, estas criaturas parecem ser uma resposta ao caos e à insegurança da vida moderna e uma invocação contra a violência e os ineludíveis perigos que lhe subjazem.
As cores vibrantes, a utilização enfática de contornos grosseiros e, por vezes, de texturas ásperas conferem a estes quadros um caráter urgente e emotivo.
Estes quadros evocam dramas arquetípicos, e neles eu deteto uma crítica da tecnologia e das imposições do progresso material e da vida moderna, das pessoas vitimizadas pela violência quotidiana, mas também pela alucinada agitação urbana e pela luta diária pela existência. Algumas das criaturas da série Concreto parecemme ser uma alusão direta às gruas de construção, tão ubíquas nas nossas cidades modernas, e um símbolo óbvio da mudança económica e social que muitas vezes ignora ou atropela as reais necessidades e aspirações humanas. Estes quadros capturam, pois, a dimensão mítica subjacente às ações e aos desejos individuais e sociais, e constituem mapas de confusão social e individual, ao passo que outros, como Céu Azul, parecem delinear cartografias de sobrevivência por entre as desconcertantes disfunções da modernidade. Assim, embora à primeira vista pareça tratar-se de uma iconografia inteiramente pessoal, pode considerar-se que o bestiário mítico do artista está arraigado na vida contemporânea e na tradição ancestral.